TEXTOS DE MESTRE DOGEN DO ZEN BUDISMO -PRIMEIRA PARTE

 


 TEXTOS DE MESTRE DOGEN DO ZEN BUDISMO-PRIMEIRA PARTE

Textos de Mestre Dogen (1)

dezembro 11, 2007 — Monja Isshin

Dois textos resumem de uma forma maravilhosa os ensinamento do fundador de nossa tradição, Mestre Dogen, e são lidos regularmente nos mosteiros.

1. Shushôgi – O Significado da Prática-Iluminação
Distribuido em 1890 com o nome de Soto Kyokai Shushogi, o Shushogi é composto principalmente de citações diretas do Shobogenzo, obra prima do fundador da escola Soto Zen, Mestre Eihei Dogen.
Em cinco capítulos, fornece um excelente resumo dos ensinamentos básicos de nossa tradição, mostrando como viver de acordo com o Buda-darma.

·         Nota: a pronúncia em português é aproximadamente “shushoogui”.

Shushôgi
O Significado da Prática-Iluminação

1. Introdução Geral

Ï O completo esclarecimento do significado do nascimento-e-morte – eis a mais importante de todas as questões para os budistas. Se há Buda dentro do nascer-morrer, não há nascer-morrer. Simplesmente compreenda que nascimento-e-morte são em si mesmo Nirvana; não existindo nascimento-e-morte a ser odiado, nem Nirvana a ser desejado. Então, pela primeira vez, você estará livre do nascimento e da morte. Tomar conciência deste problema é de importância suprema.

Ï Nascer como ser humano é algo raro; ainda mais raro é entrar em contato com o Dharma-budista. Pelas nossas virtudes do passado, entretanto, fomos capazes não apenas de nascer humanos mas também de encontrar o Budismo. Dentro do campo de nascimento-e-morte, então, nossa vida atual deve ser considerada a melhor e a mais excelente de todas. Não desperdicem seus preciosos corpos humanos à toa, abandonando-os aos ventos da impermanência.

Não se pode confiar na impermanência. Não sabemos quando nem onde nossa vida transiente terminará. Nossos corpos não nos pertencem; e a vida, à mercê do tempo, continua sem parar nem por um momento. Assim que a face da juventude desaparece, não é possível encontrar nem mesmo traços dela. Quando pensamos cuidadosamente, descobrimos que o tempo, uma vez perdido, nunca volta. Frente à impermanência, nem reis, ministros de estado, parentes, servos, mulher e filhos e jóias raras podem nos socorrer. Devemos entrar no reino da morte a sós, acompanhados apenas pelo nosso bom e mau Carma.

Vocês devem evitar se associar àquelas pessoas deludidas neste mundo que são ignorantes da lei da causalidade e retribuição kármica. Elas não sabem da existência dos três estágios do tempo e são incapazes de distinguir o bem do mal. A lei da causalidade, entretanto, é ao mesmo tempo clara e impessoal: os que fazem o mal inevitavelmente caem (no inferno), os que fazem o bem inevitavelmente ascendem (ao céu). Se assim não fosse, os vários Budas não teriam surgido neste mundo, nem teria Bodidharma ido para a China.

A retribuição de bem e mal ocorre em três diferentes períodos no tempo: primeiro, a retribuição experimentada na vida presente; segundo, a retribuição na vida seguinte a esta; terceiro, a retribuição em vidas subseqüentes.

Esta é a primeira coisa que deve ser estudada e compreendida quando praticar o Caminho. Ο Caso contrário, muitos de vocês cometerão erros e manterão pontos de vista falsos. Não apenas isso, cairão nos mundos maus, passando por longos períodos de sofrimento.

Ï Compreenda que nesta vida você só tem uma vida, não duas ou três.Quão lamentável se, mantendo pontos de vista falsos, ficamos sujeitos às conseqüências das ações errôneas.

Pensando que não estamos fazendo o mal, quando de fato o estamos fazendo, • erradamente imaginando que não haverá quaisquer conseqüências do mal. • Não podemos evitar a retribuição kármica.

2. Liberação pelo Arrependimento

Ï Os Budas e ancestrais devido à sua ilimitada misericórdia, deixaram abertos os grandes portais da compaixão, a fim de que todos os seres – tanto humanos quanto celestiais – possam assim realizar a iluminação. Embora a retribuição kármica por atos maus deva surgir em um dos três estágios do tempo, o arrependimento abranda seus efeitos, trazendo alívio e pureza.

Ï Assim, vamos nos arrepender em frente ao Buda com toda sinceridade. O poder-mérito de arrependimento ante ao Buda não apenas nos salva e purifica, mas também encoraja o crescimento da pura fé sem dúvida, e o esforço correto em nós mesmos. Quando a pura fé aparece transforma a nós mesmos e ao outro, seus benefícios se estendendo a todas as coisas, tanto animadas quanto inanimadas.

A essência do ato de arrependimento é o seguinte: “Mesmo que o acúmulo de carma negativo tenha sido tão grande no passado que forme um obstáculo na prática do caminho, rogamos a todos os Budas iluminados e misericordiosos que nos libertem da retribuição kármica, eliminando todos os obstáculos à prática do caminho. Que os seus méritos possam preencher Ï e reger sobre o reino ilimitado do Darma, para que compartilhem conosco sua compaixão. Os Budas e ancestrais foram uma vez como nós, no futuro seremos como eles.

Ï “Todo o meu Carma negativo do passado, nascido da ganância, raiva e ignorância sem início; produtos de meu corpo, fala e mente, de tudo agora eu me arrependo.” Se nos arrependemos desta forma deveremos sem dúvida, receber a invisível ajuda dos Budas e ancestrais. • Mantendo isso em mente e agindo de maneira correta, • fazemos abertamente nosso arrependimento em frente ao Buda. O poder daí advindo cortará as raízes de nosso Carma negativo.

3. Ordenação e Iluminação

Ï Em seguida, devemos profundamente venerar os Três Tesouros de Buda, Darma e Sanga. Devemos fazer o voto de fazer ofertas e honrar os Três Tesouros até mesmo em vidas e corpos futuros. Os Budas e ancestrais tanto na Índia como na China corretamente transmitiram esta veneração de Buda, à Lei e à Comunidade Budista.

Ï Pessoas sem sorte e pouca virtude são incapazes de ouvir sequer o nome dos Três Tesouros, quanto mais se refugiar neles. Não ajam como esses que, compelidos pelo medo, em vão se refugiam em divindades das montanhas e espíritos ou adoram altares não-Budistas, porque é impossível ganhar alívio do sofrimento dessa forma. Ao contrário, rapidamente se refugiem nos Três Tesouros de Buda, Darma e Sanga, e encontrarão não somente a libertação do sofrimento mas eles os levarão à realização da iluminação.

Refugiar-se nos Três Tesouros significa possuir uma fé pura.Quer seja durante a vida do Tathagata ou após, colocamos as mãos juntas em gassho e, de cabeça baixa, cantamos o seguinte:”Refugiamo-nos em Buda. Refugiamo-nos na Lei, o Darma.Refugiamo-nos na Comunidade Budista.Refugiamo-nos em Buda porque ele é nosso grande mestre.Refugiamo-nos na Lei porque é bom remédio.Refugiamo-nos na Comunidade Budista porque é composta de excelentes amigos.”É somente através do refúgio nos Três Tesouros que alguém se torna discípulo de Buda e se qualifica a receber todos os outros preceitos.

O mérito de se refugiar nos Três Tesouros inevitavelmente aparece quando há uma comunicação espiritual de solicitação e resposta. Quando há uma comunicação espiritual de solicitação e resposta, todos se refugiam, quer se encontrem existindo como seres celestiais ou humanos, moradores dos infernos, espíritos famintos, ou animais. Como resultado, o mérito assim acumulado inevitavelmente aumenta através dos vários estágios da existência, conduzindo finalmente à mais alta e suprema iluminação. O mérito do refúgio nos Três Tesouros é o mais honrado, de um valor insuperável e de incomensurável profundidade. Saiba que mesmo o próprio Honrado do Mundo já testemunhou este fato. Logo, todas as criaturas deveriam assim se refugiar.

Em seguida devemos receber os Três Preceitos Puros. O primeiro é o de não fazer o mal; o segundo de fazer o bem e o terceiro de conferir abundantes benefícios a todas criaturas vivas. Então aceitamos as Dez Grandes Proibições: Primeiro: não matar; Segundo: não roubar; Terceiro: não praticar atos sexuais impróprios; Quarto: não mentir; Quinto: não se intoxicar; Sexto: não falar dos erros dos outros; Sétimo: não se elevar nem rebaixar os outros; Oitavo: não ser avarento com o Darma nem com os bens; Nono: não ser levado pela raiva; Décimo: não falar mal dos Três Tesouros. Todos os Budas recebem e observam estes Três Refúgios,os Três Preceitos Puros e as Dez Graves Proibições.

Recebendo estes preceitos a pessoa realiza a suprema sabedoria Bodhi, a sólida e indestrutível iluminação dos vários Budas nos três estágios do tempo. Há alguma pessoa sábia que não procure alegremente este objetivo? O Honrado do Mundo claramente mostrou a todos os seres que quando eles recebem os preceitos de Buda, entram no campo dos vários Budas – verdadeiramente se tornando suas crianças e realizando a mesma grande iluminação.

Ï Todos os Budas existem neste campo, percebendo tudo claramente sem deixar pegadas. Quando seres comuns fazem deste o seu campo deixam de distinguir entre sujeito e objeto. Ï Nessa hora tudo no universo – tanto terra, grama, árvore, muro, tijolo, ou pedregulho – realizam a obra dos Budas, funcionando como manifestação de iluminação. Aqueles que recebem os efeitos dessa manifestação realizam iluminação sem o perceber. • Este é o mérito da não-intenção, o mérito do não-artifício. • É acordar para a mente Bodhi.

4. Fazendo os Votos de Beneficiar Todos os Seres

Ï Acordar a mente Bodhi significa fazer o voto de não atravessar para a outra margem antes que todos os seres o tenham feito. Tanto leigo como monge, vivendo no mundo de seres celestiais ou humanos, sujeito à dor ou prazer, todos rapidamente devem fazer este voto.

Ï Embora de aparência humilde, uma pessoa que tenha acordado para a mente Bodhi já é um professor de toda humanidade. Até mesmo uma menina de sete anos pode se tornar uma professora nas quatro classes de budistas e ser a mãe compadecida de todos os seres, pois homens e mulheres são completamente iguais. Este é um dos mais altos princípios do Caminho.

Após ter acordado para a mente Bodhi, mesmo vagabundear pelos seis planos da existência e pelas quatro formas de vida se torna uma oportunidade para praticar o voto altruísta. Logo, mesmo que até agora vocês tenham passado o tempo em vão, devem rapidamente fazer esse voto, enquanto é tempo. Embora vocês tenham adquirido mérito suficiente para realizar o Caminho de Buda, vocês devem colocá-lo à disposição de todos os seres a fim de que eles realizem o Caminho. Há alguns que praticam durante aeons incontáveis sacrificando sua própria Iluminação a fim de que todos os seres se beneficiem, ajudando-os primeiramente a cruzar para a outra margem.

Há quatro espécies de sabedoria que beneficiam outros: doações, palavras amáveis, ações bondosas e identificação, todas sendo práticas do Voto de um Bodhisatva. “Doação” significa não cobiçar. Embora seja verdade que em essência nada pertence ao ser, isto não deve nos restringir de fazer ofertas. O tamanho da oferta não importa: é a sinceridade com a qual é dada. Logo, a pessoa deve estar pronta a compartilhar até mesmo uma frase ou verso do Darma, pois isto se torna a semente do bem, tanto nesta vida como na próxima. Este também é o caso ao dar de seus tesouros pessoais, seja uma só moeda ou uma folhinha de grama, pois a lei é o tesouro e o tesouro é a lei. Sem esperar recompensa ou agradecimentos, devemos compartilhar com os outros. Fornecer um barco transportador ou uma ponte também são atos de doação, assim como ganhar seu sustento e produzir bens.

O significado de “palavras amáveis” é o de que ao observar todos os seres a pessoa se enche de compaixão por eles, dirigindo-se a eles afetuosamente. Isto quer dizer, falar com um sentimento de doçura e vê-los como seus próprios filhos. O virtuoso deve ser elogiado e o sem virtude apiedado. Palavras amáveis são a fonte para superar o ódio de amargos inimigos e cultivar a harmonia entre os amigos. Ouvir diretamente palavras amorosas ilumina a face e aquece o coração. Uma impressão ainda mais profunda é feita ao ouvir palavras amáveis que foram ditas na sua ausência. Lembre-se de que palavras amáveis possuem o poder de mover os céus.

“Ações Bondosas” significa encontrar meios de ajudar os outros, sem se importar com sua posição social. Aqueles que ajudaram a tartaruga aprisionada ou o pássaro ferido não esperavam nada em retorno por sua ajuda; eles simplesmente agiram por benevolência. Os tolos pensam que seus interesses próprios irão sofrer se colocarem o beneficio alheio em primeiro lugar. Entretanto estão errados. Benevolência é como um círculo, beneficiando igualmente a nós mesmo e aos outros.

Ï “Identificação” significa não-diferenciação – não fazer diferença entre o ser e os outros. Por exemplo, é como o humano Tathagata que viveu a mesma vida que todos nós humanos. Ï Identificamos os outros conoscos mesmos e identificamos a nós mesmo com os outros. Nestes momentos, o si-mesmo e o outro se tornarão um. Identificação é como o oceano, que não declina nenhuma água, sem importar qual sua origem, todas as águas se juntando para formar o mar.

Quietamente reflitam sobre o fato de que os ensinamentos precedentes são a prática de um Bodhisatva. • Não a tratem levemente. • Venerem e respeitem seus méritos, que permitem libertar todos os seres.

5. Prática e Gratidão Constantes

Ï A oportunidade de acordar para a mente-Bodhi é, em geral, reservada a seres humanos vivendo neste mundo. Agora que tivemos a boa fortuna não apenas de nascer neste mundo mas também de entrar em contato com o Buda Xaquiamuni, como podemos não ser cheios de felicidade!

Ï Quietamente considerem o fato de que se este fosse um tempo em que a lei verdadeira ainda não tivesse se espalhado pelo mundo seria impossível para nós entrar em contato com ela mesmo que desejássemos sacrificar nossa vidas para o fazer. Quão afortunados por haver nascido no tempo presente, quando podemos realizar tal encontro! Escute o que o Buda disse: “Quando você encontra um mestre que expõe a suprema sabedoria – Bodhi, não considere seu nascimento, não olhe sua aparência, não desgoste de suas faltas, ou se preocupe com o seu comportamento. Ao contrário, em respeito por sua grande sabedoria, reverentemente se prostre em frente a ele três vezes ao dia – manhã, meio-dia e entardecer – não dando a ele qualquer causa de preocupação.”

Nós agora somos capazes de entrar em contato com o Buda Xaquiamuni e ouvir seus ensinamentos graças à bondade compadecida resultante da prática constante de cada um dos Budas e ancestrais. Se os Budas e ancestrais não houvessem diretamente transmitido a Lei, como teria ela chegado até nós? Devemos ser gratos por uma simples frase ou parte da Lei, ainda mais pela grande bem-aventurança surgida do mais alto e supremo ensinamento – O Olho e Tesouro da Lei Verdadeira. O ferido pássaro não se esqueceu da bondade a ele demonstrada, premiando seus benfeitores com quatro anéis de prata. A tataruga aprisionada não esqueceu da sua libertação, mas demonstrou sua gratidão com o selo de Yubu. Se até mesmo animais demonstram sua gratidão pela bondade demonstrada, como podem seres humanos falhar em fazer o mesmo?

O verdadeiro caminho de exprimir esta gratidão não pode ser encontrado em nada mais do que nossa prática Budista diária. Isto quer dizer, devemos praticar sem egoísmo, estimando cada dia de vida.

O tempo voa mais rápido do que uma flecha; a vida é mais transiente do que o orvalho. Não importa quão talentoso você possa ser, é impossível trazer de volta até mesmo um dia do passado. Viver cem anos sem propósito é comer o fruto amargo do tempo, tornar-se um lamentável saco de ossos. Mesmo que você se tenha permitido ser um escravo de seus sentidos por cem anos, se você se entregar ao treinamento Budista por um só dia, você ganhará cem anos de vida neste mundo e também no outro. Cada dia da vida deve ser estimado; o corpo deve ser respeitado. É através de nosso corpo e mente que somos capazes de praticar o caminho; esta a razão pela qual devem ser amados e respeitados. É através de nossa própria prática que a prática dos vários Budas aparece e o seu grande Caminho Ï nos alcança. Logo, cada dia de nossa prática é o mesmo que os deles; a semente da realização do Caminho de Buda.

Ï Todos os vários Budas não são nada mais do que o próprio Xaquiamuni Buda. O Buda Xaquiamuni é nada mais além do fato de que “a mente é o Buda”. Quando os Budas do presente, passado e futuro realizam a Iluminação, eles nunca falham em se tornar o Buda Xaquiamuni. Este o significado da mente ser o Buda. • Estude esta questão cuidadosamente, pois é desta forma • que você pode exprimir sua gratidão aos Budas.

. ler um artigo sobre Shushogi no Blog Sangha Margha

 

Textos de Mestre Dogen (2)

 

 

dezembro 11, 2007 — Monja Isshin

 

Fukanzazengi
Regras Universais do Zazen

Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Porque, então, preocupar-se com os meios de eliminá-la?

O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação? Contudo, se houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior ainda que aquela entre o céu e a terra. Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua mente-Buda. Por exemplo, algumas pessoas se orgulham de sua compreensão, e acreditam que estão ricamente dotadas com a sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram suas mentes e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação.

Devemos prestar atenção ao fato que até mesmo Xaquiamuni Buda praticou zazen durante seis anos. Veja Bodidarma, que transmitiu a mente-Buda: ainda podemos sentir o eco dos nove anos em que ficou sentado de face para a parede praticando zazen, no templo Shaolin. Já que estes antigos sábios eram tão diligentes, como podem os praticantes dos dias atuais deixar de praticar zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Quando assim fazemos, nosso corpo e mente são naturalmente abandonados, e nossa natureza-Buda original se manifesta. Se almejamos realizar a sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Para fazer zazen, é desejável um local calmo. Devemos ser moderados no comer e no beber, abandonando todo relacionamento deludido. Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo cessado a agitação da mente, abandonamos até mesmo a idéia de nos tornar Buda. Isto é verdadeiro não só para o zazen, mas para todas as nossas ações cotidianas, sem apego ao sentar ou ao deitar.

Geralmente, colocamos um acolchoado quadrado no chão, onde vamos sentar, e sobre ele uma almofada redonda. Podemos sentar na posição de lótus ou na de meio-lótus. Na primeira, colocamos o pé direito sobre a coxa esquerda, e em seguida o pé esquerdo sobre a coxa direita. Na segunda, apenas colocamos o pé esquerdo sobre a coxa direita. As roupas devem ser folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, colocamos o dorso da mão direita sobre o pé esquerdo e o dorso da mão esquerda sobre a palma direita, com as pontas dos polegares se tocando levemente. Devemos nos sentar perfeitamente eretos, nem inclinados à direita, nem à esquerda, nem para frente, nem para trás. As orelhas devem estar alinhadas com os ombros e o nariz alinhado com o umbigo. A ponta da língua deve ser colocada no céu de boca, e os lábios e dentes devem ficar fechados. Mantendo os olhos entreabertos, respiramos suavemente pelas narinas. Finalmente, tendo regulado corpo e mente, fazemos uma respiração profunda, movendo nosso corpo para a esquerda e para a direita e então, devemos ficar imóveis, sentados tão firmes quanto uma rocha. Existe o pensar, existe o não pensar e existe o inconcebível. Esta é a verdadeira base do zazen.

Zazen não é “meditação passo a passo”. Pelo contrário, é simplesmente a prática fácil e agradável de Buda, a realização da sabedoria de Buda. É a realização do “koan” na vida diária. A verdade aparece, não mais havendo delusão. Se compreendermos isto, estaremos completamente livres, como um dragão na água, ou um tigre recostado na montanha. A Lei Suprema aparecerá por si mesma, e estaremos completamente livres de todo cansaço e confusão.

Ao terminarmos o zazen, devemos mover o corpo devagar e nos levantar com calma. Não nos devemos mover bruscamente.

Pela virtude do zazen, é possível transcender a diferença entre o comum e o sagrado e obter a capacidade de morrer em zazen ou de pé. Além do mais, é impossível para nossa mente discriminatória compreender como os Budas e Ancestrais do Darma comunicaram a essência do Zen a seus discípulos, com o levantar de um dedo, com uma vara, jogando uma agulha ou batendo com o martelo de madeira; ou como eles transmitiram a iluminação levantando o hossu, o punho, o bastão ou com um grito. Tampouco, este assunto pode ser compreendido através de poderes sobrenaturais ou de uma visão dualista de prática e iluminação. Zazen é a prática além dos mundos subjetivos e objetivos, além do pensamento discriminatório. Assim, nenhuma discriminação deverá ser feita entre o inteligente e o não-inteligente. Praticar o caminho com todo o coração é, em si mesmo, iluminação. Não existe separação entre a prática e a iluminação, ou entre o zazen e a vida cotidiana.

Os Budas e Ancestrais do Darma, tanto neste país, quanto na Índia e na China, todos preservaram cuidadosamente a mente-Buda e incentivaram assiduamente o treinamento Zen. Devemos, pois, nos dedicar exclusivamente, e sermos completamente absorvidos pela prática do zazen. Apesar de ser dito que existem inúmeras maneiras de se compreender o Budismo, devemos praticar somente o zazen. Não há motivo para abandonarmos nosso assento de meditação e fazermos viagens inúteis a outros países. Se nosso primeiro passo for errado, inevitavelmente tropeçaremos.

Já tivemos a boa fortuna de nascer com um corpo precioso, então, não devemos desperdiçar nosso tempo à toa. Agora que sabemos qual é a coisa mais importante no Budismo, como podemos ficar satisfeitos com o mundo transitório? Nossos corpos são como o orvalho sobre a relva, e nossas vidas como o clarão de um raio, que desaparece num instante.

Sinceros praticantes Zen, não se espantem com o Verdadeiro Dragão, nem gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Dediquem seus esforços ao caminho que leva diretamente à natureza-Buda. Respeitem aqueles que alcançaram o conhecimento completo, que estão sem intenção de intenção. Tornem-se um com a sabedoria dos Budas e assim, sucessores legítimos da iluminação dos Ancestrais. Praticando desta maneira, certamente serão capazes de compreender tudo isto. Então, a casa do tesouro naturalmente se abrirá e vocês poderão se servir à vontade.

-Fukanzazengi traduzido pelo Grupo de Publicações, Zendo Brasil

Nota: o título deve ser pronunciado como “Fukanzazengui”, com “g” dura.

 

 

 

 

 

 

Textos de Mestre Dogen (3)

março 7, 2009 — Monja Isshin

Hachi Dainin Gaku
Os Oito Aspectos da Iluminação
Dogen Zenji
Shôbôgenzô

Os vários Budas foram todos pessoas iluminadas. A sua iluminação possui oito aspectos importantes. A realização destes oito aspectos é a base do Nirvana. Este foi o ensinamento final do nosso professor original, o Buda Shakyamuni, dado na noite de sua morte.

1. Ter poucos desejos
Ter poucos desejos significa não buscar extensivamente os objetos de desejo.

O Buda disse: “Praticantes! Vocês deveriam saber que aqueles que querem muitas coisas buscam tanto a fama quanto o ganho, e assim as suas aflições são muitas. Aqueles com poucos desejos, entretanto, nada procuram e não tem anseios, e assim não sofrem. Portanto vocês deveriam rapidamente se libertar da cobiça, tanto por este motivo como pelo motivo de que esta liberdade dará origem a várias virtudes. Além disso, as pessoas com poucos desejos estão livres da lisonja e da extraviação, e também não são escravizadas pelos seus próprios sentidos. Satisfeitos com pouco, eles não possuem preocupações ou medos, estando assim sempre calmos. Aqueles que tem poucos desejos tem o Nirvana.”

2. Satisfação
Satisfação significa estar contente com o que quer que se tenha.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês desejam se libertar do sofrimento vocês deveriam observar a satisfação. Estar satisfeito é ter um estado mental pacífico e feliz. Uma pessoa satisfeita é feliz mesmo que tenha que dormir no chão, enquanto que uma pessoa insatisfeita é infeliz mesmo vivendo em um palácio. A primeira é rica mesmo que seja pobre, a segunda é pobre ainda que seja rica. A pessoa satisfeita sente compaixão pela insatisfeita, pois esta é continuamente levada pelos cinco desejos[1].”

3. Apreciar a quietude
Isso significa viver uma vida solitária, separada de todas as perturbações mundanas.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês desejam desfrutar o silêncio e a felicidade do Nirvana, vocês deveriam deixar o clamor para trás e viver sem barulho em um local solitário. As pessoas que vivem em lugares quietos são respeitadas pelos deuses. Por isso vocês deveriam abandonar o seu apego ao ‘eu’ e aos ‘outros’ e viverem sozinhos, dessa maneira eliminando a raiz do sofrimento. Aqueles que gostam de multidões são perturbados por elas e sofrerão os seus aborrecimentos, da mesma forma em que uma árvore seca e quebra quando muito pássaros pousam sobre ela. Laços e apegos mundanos lhes afundam em um mar de dores, como um velho elefante atolado no lamaçal.”

4. Diligência
Cultivar virtudes sem interrupção é chamado diligência, pura e genuína, avançando sem olhar para trás.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês forem diligentes em seus esforços, nada será difícil. É como mesmo um pequeno fio d’água ser capaz de perfurar uma rocha se continuamente cai sobre ela. Entretanto, se vocês forem negligentes em sua prática e se suas mentes constantemente desanimarem, isso será como friccionar pauzinhos para produzir fogo mas parar antes que eles fiquem quentes – pode algum bom resultado ser esperado disso?”

5. Plena Atenção
Conservar os ensinamentos sem esquecimento é chamado de plena atenção, e também de “lembrança perseverante”.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês procuram um bom mestre e protetor, nada se compara à plena atenção. Aqueles que mantêm a plena atenção não são invadidos pelas aflições e permanecem livres de várias ilusões. Portanto, vocês deveriam se manter plenamente atentos, pois aqueles que perdem a plena atenção perdem as virtudes e seus méritos. Se vocês mantiverem a plena atenção, permanecerão ilesos mesmo quando cercados pelos desejos.”

6. Meditação
Meditação significa permanecer no Darma sem distração, com uma mente imperturbável.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês concentrarem a mente ela entrará em um estado de estabilidade, e assim vocês poderão compreender as características dos fenômenos surgindo e desaparecendo no mundo. Fazendo isso suas mentes permanecerão imperturbáveis. Assim como aqueles que querem evitar inundações constroem uma barragem, assim também o praticante cultiva a meditação para evitar que a água da sabedoria se perca.”

7. Sabedoria
Desenvolvendo a aprendizagem, aplicação e compreensão, a realização é a sabedoria.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês tiverem sabedoria, vocês não se apegarão aos desejos. Vocês devem examinar a si mesmos continuamente, sem permitir nenhum descuido, pois este é o caminho da iluminação. Aqueles que não praticarem isto não são monges nem leigos – não há como se referir a eles. A verdadeira sabedoria é como barco seguro para atravessar o oceano da doença, velhice e morte; como uma tocha luminosa na escuridão da ignorância; como um bom remédio para todas as doenças; e como um machado afiado para cortar a árvore das ilusões. A sabedoria resultante do ouvir, refletir e praticar o Darma pode assim ser usada para aumentar o seu mérito no Caminho. Se alguém chegar a possuir a luz da sabedoria, poderá ver a Verdade com os seus próprios olhos.”

8. Abster-se das conversas vãs
Abster-se das conversas vãs significa desapegar-se da discriminação arbitrária; quando nós compreendemos a realidade plenamente, nós não mais nos envolvemos em conversas fúteis.

O Buda disse: “Praticantes! Se vocês se entregarem a diversos tipos de conversas fúteis, sua mente será perturbada. Daí, mesmo se vocês se tornarem monges, não alcançarão a iluminação. Por isso, vocês devem imediatamente abandonar esse tipo de conversas. Apenas aqueles que fazem isso podem experimentar a tranqüilidade e bem-aventurança do Nirvana.”

Estes são, então, os oito aspectos da iluminação. Cada um deles contêm os outros oito, então são sessenta e quatro. Falando de forma mais ampla, se você os desdobrar, eles se tornam infinitos; se os resumir, são sessenta e quatro. Este foi o último ensinamento do nosso grande mestre Buda Shakyamuni,  a essência do Mahayana, pronunciado por volta da meia-noite do dia 15 de fevereiro. Daí em diante ele permaneceu em silêncio até a sua morte.
O Buda disse, concluindo: “Praticantes! Sempre busquem com todo o coração pelo Caminho da Libertação, já que todas as coisas no mundo, móveis e imóveis, são formas instáveis sujeitas à morte. Parem agora e não falem mais. O tempo está acabando e eu vou atravessar para a extinção. Este é o meu último ensinamento.”

Portanto, os discípulos do Buda definitivamente devem estudar esses princípios. Aqueles que não estudam e praticam esses ensinamentos não são discípulos do Buda. Esses ensinamentos são Tesouro do Olho do Darma Verdadeiro, o coração do Nirvana. Apesar disso, entretanto, existem hoje muitos que ignoram estes ensinamentos, e poucos que estão consciente deles. Aqueles que não entraram em contato com esses ensinamentos estão nessa situação devido à influencia de demônios e também devido à falta de ações virtuosas no passado.

Antigamente, nos períodos do verdadeiro Darma e da imitação do Darma, todos os Budistas conheciam e praticavam estes oito aspectos. Hoje em dia, entretanto, é difícil encontrar um ou dois entre mil monges que conheça estes ensinamentos. Que pena – a decadência desta nossa era degenerada é mesmo inimaginável. Devemos nos apressar para apreender e praticar esses ensinamentos já que ainda é possível encontrá-los. Não sejam negligentes!

É difícil encontrar os ensinamentos do Buda mesmo em incontáveis éons[2]. É igualmente difícil nascer como um ser humano. Nós não só tivemos a sorte de nascer como seres humanos, como também a sorte de nascer em um local onde é possível ouvir os ensinamentos do Buda. Aqueles que morreram antes do Buda também não ouviram esses ensinamentos. Graças ao poder das nossas ações virtuosas no passado, entretanto, nós podemos ouvi-los e estudá-los. Agora, nós devemos estudar e desenvolver estes oito aspectos vida após vida, e assim certamente alcançaremos a insuperável iluminação. Se, além disso, nós os expusermos a todos os seres senscientes, então nós mesmos não seremos diferentes do Buda Shakyamuni.

(Escrito em Eiheiji, em 6 de janeiro de 1253)

[1] Segundo a doutrina budista clássica, os Cinco Desejos são: comida e bebida; sono; sexo; riquezas e bens; fama. (N.T.)
[2] Éons são períodos incontavelmente longos de tempo, durando milhões e milhões de anos. (N.T.)

Tradução para o Português de Giovanni Dienstmann
tradução adaptada baseada na tradução para o inglês de Thomas Cleary e de Yuho Yokai, em fevereiro de 2004

Textos de Mestre Dogen (4)

março 20, 2009 — Monja Isshin

Kangin
A Leitura dos Sutras
Dogen Zenji
Shôbôgenzô

Na prática e iluminação do despertar perfeito e supremo, usamos às vezes o ensinamento de um mestre, às vezes o ensinamento nos sutras. “Mestre” é o inteiro ser dos Budas e Patriarcas; “sutras” é o inteiro ser dos sutras. Logo, temos o ser de todos os sutras. “Ser” não tem identidade limitada – é visão ativa iluminada, e punhos vivos. Lembrar, ler, cantar, copiar, receber e possuir os sutras compõem o conjunto de prática e iluminação dos Budas e Patriarcas.

Mas é difícil encontrar os sutras budistas. No mundo inteiro raramente se ouve o nome dos sutras. Mesmo entre Budas, Patriarcas e seus descendentes é difícil ouvir só o nome. Se você não for Buda ou Patriarca não pode ver, ouvir, ler, cantar ou compreender os sutras.

Estudar aos poucos Budas e Patriarcas nos capacita a estudar os sutras. Então, as faculdades de ouvir, ver, gostar, cheirar e compreender a inteireza de corpo e mente realizam o ouvir, receber, possuir, explicar, e etc. dos sutras. Quem só procura fama ou expõe doutrinas de ímpios jamais pode praticar os sutras budistas. Transmitidos por árvores e pedras, tais sutras ficaram conhecidos dos campos de arroz aos povoados. Eles foram proclamados em toda parte, pelos reinos da terra e no universo inteiro.

Fazia muito tempo que o Grande Mestre Yakusan Kudo não dava um sermão do Darma. O secretário-geral do mosteiro pediu, “Todos os monges estão esperando para ouvir seus ensinamentos de compaixão”. Yakusan respondeu, “Bata o gongo e convoque a assembléia.” Isto feito, Yakusan entrou no Salão do Darma, sentou-se, ficou em silêncio por um bom momento, levantou-se e voltou aos seus aposentos. O secretário-geral veio atrás dele, dizendo, “Mas o senhor concordou em falar e está saindo sem dizer uma só palavra. Por que?” Yakusan disse, “Os sutras têm professores de sutras e as doutrinas do abidarma têm os estudiosos do abidarma. Por que ficar surpreso com a ação deste velho monge?”

Yakusan quis dizer que punhos têm mestres de punhos e visão iluminada tem mestres de visão iluminada. Porém, o secretário-geral devia ter dito, “Não fiquei surpreso com a sua ação. Aliás, que tipo de mestre é o senhor?”

Certa vez, Hotatsu, monge cuja ocupação principal era cantar continuamente o Sutra do Lotus, foi ver o Patriarca Daikan (Eno) do Monte Sokei em Choshu. O Patriarca recitou este verso:
“Se a mente está iludida, o Sutra do Lotus nos gira.
Se a mente está iluminada, giramos o Sutra do Lotus.
Por mais que cantemos, se não esclarecermos o ser
Palavras e letras vão obstruir a essência.
Pensamento sem pensar é verdadeiro.
Pensamento consciente é falso.
Abandone existência e não-existência
E vá sempre no carro-de-boi branco (Caminho de Buda).”

Assim, se a mente está iludida, o Sutra do Lotus nos gira; se a mente está iluminada, nós o giramos; e se transcendermos ilusão e iluminação, aí o Sutra do Lotus gira o Sutra do Lotus.

Ao ouvir este verso, Hotatsu ficou tão feliz que recitou seu próprio verso:
“Passei a vida cantando sutras
E agora um verso de Sokei me fez esquecê-los todos.
Sem esclarecer a emergência de Sakiamuni neste mundo
Não podemos ser liberados da transmigração.
Há ovelhas, cervos e carros-de-boi;
Começo, meio e fim estão cheios de coisas boas.
Quem sabe que dentro desta casa em chamas (o corpo)
Encontra-se o reino do Darma original?”

Então o Patriarca disse, “De agora em diante você é o monge que memorizou os sutras.”

Precisamos saber que há um monge desses no Caminho Budista. É isto que o antigo Buda Sokei mostrou diretamente. “Memorizar” não é consciência nem inconsciência, nem existência ou não-existência. Através de kalpas sem fim devemos continuar e memorizar os sutras dia e noite; de sutra a sutra, não há nada a não ser sutras.

Prajnatara, o vigésimo-sétimo Patriarca da Índia Oriental foi convidado pelo rei para uma refeição. O rei lhe perguntou, “Todo mundo está proclamando uma profusão de sutras, menos você. Por quê?” Prajnatara disse, “Perdoe minhas pobres palavras, mas eu diria assim: Quando eu expiro a minha respiração não é afetada nem por eventos nem por condições; quando eu inspiro eu não lido no mundo de formas condicionadas. Continuamente, eu proclamo o sutra da talidade; ele tem milhões e milhões de volumes, não apenas um ou dois.”

Prajnatara plantou as sementes (do Zen) na Índia Oriental. Ele foi o vigésimo-sétimo Patriarca descendente de Mahakasyapa. Ele transmitiu os pertences dos Budas – as cabeças, os olhos iluminados, os punhos, as narinas, os bastões, as tijelas, os mantos, os ossos, tutano, tudo deles. Ele é nosso Patriarca e nós somos seus descendentes. A essência da frase de Prajnatara é que não apenas sua respiração não é afetada por condições externas, tampouco as condições externas são afetadas. Condições externas como cabeça e olhos, corpo e mente não são afetadas por condições externas.

“Não afetadas” aqui significa “totalmente afetadas” (numa identidade de opostos). Embora respiração exalada seja condição externa, ela não é afetada por condições externas. Embora o significado de inalar e exalar, antes desconhecido, tenha assim permanecido por kalpas incontáveis, agora ele foi revelado pela primeira vez através das expressões “não lidar no mundo da forma” e “não afetado por condições externas.” Em condições externas temos a oportunidade de estudar “inalar”. Esta ocasião não existe no passado ou futuro mas no presente exterior.

O mundo da forma condicionada é o dos cinco skandas: forma, percepção, idealização, volição e consciência. Não lide nos cinco skandas. Você está num mundo onde os cinco skandas não aparecem. O principal aqui é que os sutras declamados não sejam apenas um ou dois mas milhões e milhões. “Milhões e milhões” é um número enorme mas também tem outro significado. Uma respiração na qual não tocamos o mundo de forma condicionada contém milhões de volumes. Contudo, isso não é nem uma grande quantidade de sabedoria nem um estado de liberdade. Isso transcende a posse ou não-posse de conhecimento e sabedoria. É simplesmente a prática e iluminação dos Budas e Patriarcas, na pele, carne, os ossos, tutano, olhos iluminados, punhos, cabeça, narinas, bastões e espanta-moscas deles.

Certa vez o Grande Mestre Shinsai recebeu o pedido de uma velha devota que tinha feito volumosa doação, para que lesse o Tripitaka inteiro. Joshu desceu do seu assento e caminhou em torno dele uma vez. Então, disse ao mensageiro da velha, “Acabei de ler o Tripitaka.” O mensageiro voltou e contou à mulher o que tinha acontecido. Ela disse, “Pedi a ele que lesse todo o Tripitaka. Por que ele leu só a metade?”

Agora podemos ver claramente que tanto o Tripitaka inteiro quanto a metade do Tripitaka são os três sutras (os três veículos) da velha. “Acabei de ler o Tripitaka” é a compreensão que Joshu tem dos sutras. Em geral, ler o Tripitaka é Joshu andar em torno do assento e o assento andar em torno de Joshu. Joshu anda em torno de Joshu; o assento anda em torno do assento. Ainda assim, a leitura do Tripitaka não é apenas andar em torno do assento, e nem o assento anda de roda.

Há outro caso parecido. Grande Mestre Jinsho, cujo nome no Darma era Hosshin, foi discípulo do Grande Mestre Daiê de Chokeiji. Certa vez uma velha discípula fez uma doação e pediu-lhe que lesse o Tripitaka completo. Daisai se levantou, caminhou em torno do assento e disse ao mensageiro da mulher, “Acabei de ler o Tripitaka.” O mensageiro voltou, contou o que tinha acontecido e a velha disse, “Pedi a ele que lesse todo o Tripitaka. Por que ele leu só a metade?”

Neste caso, não devemos estudar a caminhada de Daisai em torno do assento nem a do assento em torno de Daisai. Ele não estava tentando mostrar o punho perfeito (de Buda) e a visão iluminada. O círculo dele era o círculo do mundo do Darma. No entanto, a velha tinha capacidade de compreendê-lo ou não? “Ele leu só a metade” não basta, ainda que ela o tenha transmitido do seu mestre. Ela deveria ter dito, em vez disso, “Pedi a ele que lesse todo o Tripitaka. Por que ele desceu tão prontamente do assento?” Ainda que tivesse dito isto sem pensar, ela seria uma possuidora de visão iluminada.

Certa vez um ministro convidou o Patriarca Tozan para uma refeição. Feita a doação, o ministro pediu a Tozan que lesse o Tripitaka. Tozan desceu do assento e inclinou-se diante do ministro. O ministro devolveu o cumprimento. Aí, Tozan levou o ministro para dar uma volta em torno do assento. Tozan inclinou-se outra vez, esperou um momento, e perguntou, “Você compreende?” O ministro respondeu, “Não, não compreendo.” Tozan disse, “Eu lhe li o Tripitaka. Por que não compreende?”

O significado de “Eu lhe li o Tripitaka” deve ser claro. Não devemos aprender que andar em volta do assento é ler o Tripitaka, nem devemos aprender que ler o Tripitaka é igual a andar em torno do assento. Devemos ouvir atentamente as palavras do Patriarca.

Uma vez, quando meu finado mestre, um Buda antigo, vivia no Monte Tendo um peregrino da Coréia veio fazer uma oferenda e pedir a todos os monges que recitassem alguns sutras para ele. Meu mestre contou o caso acima sobre Tozan. Terminada a narrativa, meu mestre desenhou um círculo no ar com seu espanta-moscas, “Hoje eu li o Tripitaka para você”, disse, e jogando no chão o espanta-moscas saiu da sala.

Deveríamos examinar com cuidado as ações do meu finado mestre. Elas são incomparáveis. Quando leu o Tripitaka ele usou um olho brilhante ou só meio? Precisamos esclarecer a maneira pela qual Tozan e meu mestre usaram visão iluminada e língua de Buda.

O Patriarca Yakusan Kudo não costumava permitir leitura de sutra. Um dia, no entanto, um monge o encontrou diante de um livro aberto. O monge disse, “Mas, se o senhor não nos permite ler os sutras, por que está lendo sutras.” “Estava precisando de alguma coisa para descansar os olhos.” E o monge: “Quer dizer que eu posso usar a mesma desculpa?” O mestre respondeu, “Se você olhar para os sutras vai furar um buraco na capa de couro.”

O significado de “Estava precisando de alguma coisa para descansar os olhos” é que Yakusan tornou-se o próprio objeto. Isto significa abandonar visão iluminada, abandonar os sutras. O olho está obstruído e torna-se o olho obstruído. Há uma obstrução ativa atrás do olho; adicionamos mais uma pele à pele que cobre o olho. Com “obstrução” podemos iluminar o olho e vice-versa. Logo, se não for o sutra da visão iluminada não podemos obter o mérito inerente ao olho obstruído. “Furar um buraco na capa de couro” significa que a vaca inteira é couro. O couro, a carne, os ossos, o tutano, a cabeça, os chifres e as narinas formam suas funções vitais. Quando aprendemos sobre o mestre a vaca vira visão iluminada. É isto que significa repousar os olhos nalgum objeto. Aqui, visão iluminada transforma-se na vaca.

O Mestre Zen Yabu Dosen disse, “Venerar todos os incontáveis Budas nos dá imensa alegria. Mas isso vale mais do que ler os antigos ensinamentos? Os sutras são sinais pretos em papel branco. Abra os olhos e olhe para eles!”

Devemos saber que venerar os Budas antigos e ler os ensinamentos antigos tem a mesma virtude e felicidade. Não há felicidade e virtude além disso. “Ensinamentos antigos” significa sinais pretos em papel branco, mas quem conhece realmente os ensinamentos antigos? Precisamos estudar este princípio cuidadosamente.

Uma vez, um dos monges do Grande Mestre Kokaku do Monte Ungo estava lendo um sutra no seu quarto. O mestre chamou pela janela, “Que sutra você está lendo?” O monge respondeu, “O Sutra Vimalakirti-nirdesa.” O mestre disse, “Eu não perguntei sobre o sutra que você tem nas mãos. Que sutra você está lendo?” O monge foi repentinamente iluminado.

O “Que sutra você está lendo?” de Kokaku transcende tempo e é extremamente profundo; não pode ser posto em palavras. É como encontrar uma cobra venenosa na estrada; aí emerge a questão central do sutra. Sempre que encontrarmos um mestre seremos capazes de explicar o Sutra Vimalakirti sem erro.

De maneira geral, a leitura dos sutras deve basear-se no método usado por todos os Budas e Patriarcas. Eles usam sua visão iluminada. Naquele momento todos os Budas e Patriarcas se tornam Budas; eles eles proclamam o Darma e Buda. Se você não ler os sutras assim, você nunca verá a cabeça ou face dos Budas e Patriarcas.

Nas comunidades atuais dos Budas e Patriarcas há muitas ocasiões de leitura de sutras. Lêem-se sutras para o benefício de todos os seres quando um praticante leigo solicita, há recitações diárias regulares, recitações individuais de monges mais aplicados, etc. Há também um tipo de canto especial para o funeral de um monge.

Quando um praticante leigo vem ao templo e pede aos monges que cantem os sutras, o procedimento é o  seguinte: Depois do desjejum o monge chefe levanta uma placa em frente do mosteiro e do aposento dos monges anunciando a recitação. Um pano usado para prostrações é estendido diante da estátua de Manjusri. Na hora certa o gongo do mosteiro é batido, uma sequência ou três sequências, conforme a instrução do condutor da cerimônia. Quando soa o gongo, o condutor conduz todos os outros ao salão e eles sentam-se de frente. Todos devem estar usando o kesa. Em seguida entra o abade, faz uma reverência diante da estátua de Manjusri, e toma o seu lugar. Então, os ajudantes trazem os sutras, que devem ser preparados de antemão e organizados corretamente no seu invólucro.

Os sutras devem ser trazidos numa caixa especial ou numa bandeja. Todos os monges, segurando os sutras com reverência, começam a cantar. Então, o mestre-de-visitas conduz ao salão o praticante leigo, que deve trazer consigo um queimador de incenso colocado com antecedência pelo monge assistente à porta do templo. O sinal para entrar é dado pelo mestre-de-visitas. A entrada é feita pelo lado sul, o mestre-de-visitas à frente e o visitante atrás. Este oferece incenso à estátua de Manjusri e faz três prostrações enquanto segura o porta-incenso. Durante as prostrações do praticante leigo o mestre-de-visitas fica de pé no canto de cima do pano de prostração, virado para o sul com as mãos cruzadas sobre o peito. Quando termina suas prostrações o leigo vira-se para a direita e, de frente para a abade, faz uma saudação. O abade permanece sentado, pega o sutra e faz um gashô. Então o visitante dirige uma saudação para o lado norte. Em seguida, ele caminha em torno da sala, a partir do assento do abade. O mestre-de-visitas conduz o giro. Mais uma vez o praticante leigo, diante da imagem de Manjusri, ainda segurando o porta-incenso, faz uma saudação. Enquanto isso o mestre-de-visitas fica de pé na entrada, virado para o norte, com as mãos cruzadas no peito.

Depois de fazer a saudação a Manjusri o visitante segue o mestre-de-visitas para fora do mosteiro e caminha uma vez em torno dele. Ele entra novamente, faz três prostrações para Manjusri, dirige-se ao assento que lhe é indicado e acompanha a leitura dos sutras. Seu assento deve ser ou ao lado do pilar à esquerda de Manjusri, ou ao lado do pilar do lado sul de frente para o norte. Depois que o praticante leigo senta-se o mestre-de-visitas faz uma reverência e senta-se também. Algumas vezes um monge canta enquanto o visitante caminha em torno do mosteiro. Este monge deve sentar-se à esquerda ou à direita de Manjusri, conforme a circunstância. Apenas incenso da mais alta qualidade, como jinko ou senko, deve ser ofertado. O incenso deve ser preparado pelo leigo. Quando este caminha em torno do mosteiro todos os monges devem manter as mãos palma em palma, em gashô.

Em seguida, faz-se a oferenda. A quantidade ou tipo de doação depende do praticante. Às vezes oferecem-se leques, algodão, coisas assim. O praticante leigo pode fazer a oferenda ele mesmo, ou isso pode ser feito pelo secretário-geral ou um monge assistente. A oferenda deve ser colocada diante dos monges e não entregue a eles diretamente. Todos os monges devem fazer gashô quando a oferenda é feita. (Às vezes a doação é trazida antes da refeição da manhã. Neste caso bate-se na placa de avisos e o monge chefe entra com a doação. O mérito da oferenda do praticante leigo deve ser anotado por escrito e colocado na coluna à esquerda de Manjusri.)

Quando os sutras são cantados no mosteiro isso deve ser feito numa voz baixa, e não alta. Às vezes os sutras não são cantados em voz alta, são simplesmente abertos para que os monges olhem a escrita. Neste caso, geralmente usamos sutras como o Sutra do Diamante, vários capítulos do Sutra do Lotus, ou o Sutra da Luz Dourada (Suvarnaprabhasa-sutra, sânscrito), etc. Uma grande quantidade desses sutras deve ser mantida no mosteiro.

Cada monge dve ter sua própria cópia. Terminada a recitação os sutras devem ser postos numa caixa ou bandeja especial carregada por um ou dois monges. Neste momento, os monges devem fazer gashô e recitar as orações finais em voz baixa.

Se os sutras devem ser recitados fora do mosteiro o secretário-geral pode fazer o papel do praticante leigo, da maneira acima descrita, para lidar com o incenso, fazer as prostrações, caminhar e arranjar a doação. Ele deve segurar o porta-incenso da maneira indicada. Um monge também pode pedir que os sutras sejam lidos. Neste caso, ele age da mesma maneira que o praticante leigo.

No aniversário do imperador, os procedimentos para leitura dos sutras são os seguintes (a leitura deve começar um mês antes do aniversário): se o aniversário for, por exemplo, em quinze de janeiro, a leitura dos sutras deve começar em quinze de dezembro. Nesse dia não há sermão do Darma. Diante da imagem de Shakiamuni, no Salão de Buda, constroem-se duas plataformas de frente para o leste e correndo do norte para o sul. Entre as duas plataformas coloca-se uma prateleira para os sutras. Nela coloca-se um sutra, como o Sutra do Diamante, o Sutra Nino (Ninnô), o Sutra do Lotus, ou o Sutra da Rei Suprema da Luz Dourada (Suvarna Prabhavasottama-raja Sutra). Todos os dias alguma pequena especialidade deve ser servida a todos os monges: uma massa, uma sopa, ou um doce. O doce deve ser colocado em tijela com palitos, não com colher. Coma-o enquanto os sutras estão sendo cantados e não leve para nenhum outro lugar. A comida deve ser colocada ao lado dos sutras, sem necessidade de uma mesa especial. Terminada a degustaçao todos os monges devem ir ao lavatório e gargarejar. Em seguida, retornam aos seus assentos respectivos e começam a ler os sutras. Devem ler continuamente, da refeição da manhã ao meio-dia. Quando o tambor soar três vezes é o anúncio da refeição do meio-dia, que marca o fim da leitura de sutra naquele dia.

Desde o primeiro dia uma placa amarela anunciando a celebração do aniversário do imperador deve ser colocada a leste das calhas na frente do Salão de Buda ou na coluna leste dentro do Salão. O nome do abade deve estar escrito num pedacinho de papel vermelho ou branco junto com o ano, o mês e o dia da celebração. A leitura dos sutras deve continuar assim até o dia do aniversário do imperador. O abade então faz o sermão do Darma para marcar a celebração. Este é um costume antigo, que todos seguem.

Às vezes, algum monge especialmente aplicado deseja ler os sutras por iniciativa própria. Todo templo deve ter uma sala especial, onde os interessados na leitura de sutras devem ir. Para esse tipo de leitura, siga as regras anotadas no Shingi [Regras e procedimentos monásticos].

Certa vez, o Grande Mestre Yakusan Kudo perguntou ao noviço Ko, “O que é mais proveitoso, ler os sutras ou estudar com um mestre?” Ko disse, “Nem ler sutras nem estudar com um mestre tem qualquer valor.” Yakusan disse, “Você está bem afiado. Mas se nada disso tem valor, como a iluminação pode ser alcançada?” Ko disse, “Não quero dizer que ninguém pode alcançá-la, mas nem os sutras nem os ensinamentos de um mestre podem oferecer a essência.”

Alguns aceitam a essência dos ensinamentos dos Budas e Patriarcas, outros não. No entanto, ler os sutras e estudar sob a direção de um mestre nada mais é que as atividades diárias dos Budas e Patriarcas.

Dito aos monges em Koshohorinji, Uji, Yamashiro, em 15 de setembro de 1241. Transcrito em 8 de julho de 1245, por Ejo.

(Capítulo 30 do Shobogenzo, Olho e Tesouro da Verdadeira Lei, edição traduzida por Kosen Nishiyama, Tokyo, 1988)

– Tradução de José Fonseca
– Revisão de Monja Isshin

Textos de Mestre Dogen (5)

abril 3, 2009 — Monja Isshin

Bendôhô
A Maneira de Entrar no Caminho
de “Eihei Shingi” – “Regras Puras para a Comunidade Zen”
Dogen Zenji

Todos Budas e todos ancestrais estão no Caminho e se engajam com ele; sem o caminho não se engajariam nele. O dharma  existe e eles aparecem; sem o dharma eles não apareceriam. Portanto, quando o grupo se senta, sente-se junto com eles; quando o grupo [gradualmente] se deita, deite-se também. Em atividade ou quieto em unidade com a comunidade, por todos renascimentos e mortes não se separe do mosteiro. Destacar-se não traz benefício; ser diferente dos outros não é nossa conduta. Isto é a pele, carne, ossos e medula dos budas e ancestrais, e também abandonar nosso próprio corpo e mente. Portanto, [engajar-se no Caminho] é a prática-iluminação antes do kalpa da vacuidade, portanto não se preocupe com a sua realização.  É o koan antes dos julgamentos, então não espere grande realização.

Para o zazen da noite, quando ouvir o sino, vista seu kesa, entre na sala dos monges, ajeite-se no seu lugar, e faça zazen. O abade senta-se na cadeira de abade de frente para a [estátua de] Manjushri e faz zazen, o monge-chefe está de frente para a ponta externa da plataforma e faz zazen. E os outros monges estão de frente para a parede e fazem zazen. Enquanto o abade faz zazen, um banco está colocado atrás de uma tela nas costas de sua cadeira, onde tanto um jisha ou um anja podem atender ao abade.

Quando é hora de zazen, o abade entra na sala pelo lado norte da entrada da frente, e vai para frente de Manjushri, fazendo reverências e oferecendo incenso. Depois de cumprimentar Manjushri, o abade circula uma vez a sala com as mãos em shashu, retorna e faz reverência para Manjushri; vai e faz reverência para a cadeira de abade, vira-se para direita e faz reverência novamente para Manjushri; enfia as mangas do koromo[1] sob seus braços, senta-se na cadeira e retira seus chinelos;  dobra as pernas e senta-se de pernas cruzadas. O jisha e anja pemanecem  em pé do lado de dentro da  entrada, pelo lado sul, não acompanhando o abade durante a circulação. Depois do abade sentar em sua cadeira, o jisha e anja fazem reverência para Manjushri e silenciosamente sentam-se no banco atrás da cadeira. O jisha ou anja cuidam do incensário do abade.

Se o abade vai dormir na sala dos monges, um tan de dormir é colocado entre o shuso e a cadeira do abade. Quando é hora de levantar, [o abade] retorna para cadeira e faz zazen. (Durante o zazen da manhã a regra é para os monges não vestirem seus kesas. O kesa do abade está pendurado sobre sua cadeira).

Quando o zazen da noite está para terminar, depois do segundo ou terceiro horário na primeira, segunda ou terceira parte, de acordo com a instrução do abade, soa o han. Quando o han pára de soar os monges fazem gashô, dobram seus kesas, os enrolam em tecido, e os colocam acima do armário (nos seus assentos). O abade não remove seu kesa mas levanta-se da cadeira, vai para frente de Manjushri e faz reverência, e sai através do lado norte da porta da frente. O jisha e anja ambos saem antes e permanecem em frente à sala dos monges, respeitosamente aguardando a saída do abade. Um deles levanta a cortina [na entrada] para ajudar [o abade] sair. Eles também fazem isso quando o abade entra na sala. Se o abade está dormindo na sala, um ou dois anjas permanecem no banco atrás da cadeira do abade, e um ou dois jishas dormem depois da primeira posição do jisha de Manjushri ou ao lado dos assentos dos novos monges [no gaitan[2]].

[Depois de remover os kesas], os monges continuam zazen por uns momentos. Devagar e deliberadamente eles desenrolam seus edredons [e roupa de cama], colocam os travesseiros, e deitam-se quando os outros deitam. Não permanecem sentados quando os outros monges não estão sentados, nem olham ao redor no grupo. Não deixam arbitrariamente seus lugares para ir onde não devem. Apenas acompanhar a comunidade e deitar é a maneira correta.

O Sutra dos Três Mil Procedimentos diz que existem cinco maneiras de deitar. A primeira é com a sua cabeça em direção a Buda. A segunda é não olhar para Buda enquanto deitado. A terceira é não espichar suas pernas juntas [em vez de mantê-las dobradas]. A quarta é não deitar-se de bruços ou costas. A quinta é não levantar seus joelhos. Definitivamente, durma deitado sobre seu lado direito e não seu lado esquerdo. Quando você está deitado sua cabeça deve estar na direção de Buda. Agora [na sala dos monges] nossas cabeças estão em direção do jôen, de maneira que nossas cabeças estão na direção de Manjushri. Não durma deitado de bruços. Não levante ambos joelhos deitado de costas. Não deite de costas com as pernas cruzadas. Não estique as pernas juntas. Durma sem despir o kimono[3]. Não fique desavergonhadamente nu da maneira de outros caminhos. Não durma com seu cinto desatado. Deitado à noite, lembre-se da radiância.

Pelo fim da noite, ouvindo o som do han em frente à sala do monge-chefe (que é tocado na quarta ou quinta parte do terceiro horário da primeira, segunda, ou terceira parte do quarto horário de acordo com a decisão do abade), o grupo suavemente se levanta, sem se levantar precipitadamente. Não permaneça dormindo ou deitado, o que é rude para o grupo. Quietamente tome seu travesseiro e o coloque em frente ao armário, sem fazer barulho ao dobrá-lo. Seja cuidadoso para não perturbar as pessoas nos tans vizinhos.

Permaneça no seu assento por uns momentos, cubra-se com seu edredon, e faça zazen em seu zafu. Rigorosamente evite fechar seus olhos, o que traria sonolência. Se você repetidamente abrir seus olhos [piscar] uma suave brisa vai penetrá-los e você facilmente despertará de sua preguiça. Nunca se esqueça que a morte ocorre velozmente e você ainda não percebeu a conduta do caminho. Não distraia o grupo se alongando, bocejando, suspirando ou se abanando. De maneira geral, sempre demonstre respeito pelo grupo. Nunca desdenhe ou ridicularize o grupo. Não cubra a cabeça com o edredon. Consciente da sonolência, remova o edredon e faça zazen com um corpo animado.

Ao ouvir uma oportunidade [sons das pessoas em movimento], vá para o lavatório e lave seu rosto. (Ouvir uma oportunidade significa quando não está cheio de outros monges lavando a face). Carregue o shukin[4] pendurado no seu antebraço esquerdo com ambas pontas viradas para você ou ao contrário. Desça suavemente de seu assento; caminhe silenciosamente numa rota conveniente em direção à entrada posterior; com ambas mãos silenciosamente puxe para o lado a cortina; e saia.

Se seu lugar é no lado mais alto (norte) da sala, saia pelo lado norte [da entrada dos fundos], atrevessando a porta com seu pé direito. Se seu lugar é na parte mais baixa, saia pelo lado sul, atrevessando a porta com seu pé esquerdo. Não faça barulho arrastando seus chinelos ou pisando no chão. Enquanto for ao lavatório através da passagem posterior e casa da água (well shed), quando encontrar alguém no caminho não se falem. Mesmo que não encontre ninguém, como ousaria cantar ou recitar? Não deixe suas mãos caídas em suas mangas mas mantenha-as em shashu e vá em frente. Quando chegar na área da pia, aguarde um lugar. Não empurre os outros monges. Quando obtiver um lugar, então lave a face.

A maneira de lavar sua face é: pendure o shukin no seu pescoço com ambas pontas penduradas na sua frente, então com cada mão agarre uma ponta, ponha sob as axilas esquerda e direita, e cruze ambas pontas uma sobre a outra atrás de você. Novamente, traga-as para baixo de ambas axilas pela sua frente e amarre-as por baixo de seu peito.

Todo seu colarinho e ambas mangas são arregaçadas firmemente acima dos cotovelos e abaixo dos ombros, como se presas por um cinto de kimono. A seguir, pegue seu palito de dentes, faça gassho, e diga:

Segurando o palito de dentes,
Faço votos com todos os seres
Que nossas mentes atinjam o verdadeiro dharma,
E naturalmente estejam puras e limpas.

Então use o palito de dentes e recite:

Usando o palito de dentes pela manhã,
Faço votos com todos os seres
De cuidar os caninos
Que mordem todas aflições.

Buda disse para não usar mais que um terço do palito de dentes. Geralmente, você deve limpar seus dentes e escovar sua língua de acordo com o dharma. Não escove sua língua mais de três vezes. Se sua língua se avermelhar por irritação você deve parar. Em tempos ancestrais se dizia “Para uma boca purificada use o palito de dentes, enxágue sua boca, e escove sua língua”. Quando você estiver fazendo isso na frente de outros, cubra sua boca de maneira que não vejam e sintam nojo. É claro que você deveria cuspir onde outros não podem ver. Os templos da China Song não têm um lugar nos lavatórios para usar palitos de dentes. Agora em Daibutsuji temos um lugar para isso em nosso lavatório.

Com ambas mãos leve sua bacia de lavar a face para a frente do fogão [no lavatório], abaixe a bacia, pegue uma concha e derrame água quente na bacia. Então retorne à pia e, usando a sua bacia, suavemente use suas mãos para lavar o seu rosto cuidadosamente. Apropriadamente limpe seus olhos, suas narinas, ao redor das orelhas e sua boca até que estejam limpas. Não desperdice muita água pelo uso imoderado. Quando enxaguar sua boca, cuspa a água fora da bacia. Lave sua face com seu corpo curvo e cabeça abaixada, não fique ereto, de maneira a não respingar água na bacia de seu vizinho. Com ambas as mãos, levante água quente e limpe toda sujeira. A seguir, use sua mão direita para desatar o shukin e esfregar sua face. Se existe uma toalha de uso comum você pode usá-la. Não faça barulho com sua concha nem faça sons enquanto gargareja que possam sobressaltar ou perturbar o puro grupo. Em tempos antigos se dizia que “lavar a face durante o quinto horário é fundamental para o bem da prática”. Como você poderia cuspir ruidosamente ou fazer barulho com a bacia na sala e perturbar os monges?

A maneira digna de retornar à sala corresponde à maneira de sair mencionada antes. Retorne ao seu lugar, cubra-se com seu edredon, e faça zazen de acordo com o dharma. Se desejar, pode não usar o edredon. Ainda não vista o kesa.

Quando você quer trocar o kimono, não deixe seu lugar mas troque ali. Primeiro cubra-se com seu kimono diurno, então silenciosamente desate seu kimono de dormir e remova-o de seus ombros, deixando-o cair em volta de suas costas e joelhos de maneira a cobrí-lo como um cobertor.  Quando tiver amarrado o kimono diurno, pegue seu kimono de dormir e o armazene no armário atrás de seu assento Para trocar do kimono diurno para kimono de dormir, claro que faça da mesma maneira. Não se exponha enquanto muda de kimono e não fique na plataforma arrastando suas roupas enquanto as dobra.

Não coce a cabeça [espalhando caspa]. Também não use um juzu [rosário] fazendo sons que distraiam o grupo. Não converse com seus vizinhos na plataforma, e tanto sentado ou deitado, alinhe-se parelhamente com os outros. Chegando ou saindo de seu assento, não rasteje na plataforma. Não faça barulho roçando seu assento.

Durante a quinto horário o han em frente à sala do monge-chefe soa três vezes. Depois do abade e monge-chefe sentarem-se na sala, os monges não deveriam entar ou sair pela entrada da frente. Não dobre seu colchonete de dormir e edredon, mas aguarde pelo sinal de fim da noite, finalizando a grande quietude, quando o unpan em frente à cozinha e os hans diante de várias salas são batidos em sequência. Este é o momento para dobrar o colchonete e edredon, ponha-os de lado com seu travesseiro, e levante a cortina [em frente ao armário onde você põe suas coisas de dormir]. Então vista o kesa e sente-se de frente uns aos outros. Também ao sinal, as cortinas das janelas e entradas da frente e trás são levantadas, incenso preparado, e acende-se uma vela em frente ao altar de Manjushri.

O procedimento para dobrar o edredon é: quando você ouve o sinal do fim da noite, tome uma ponta do edredon com cada mão e dobre-as juntas verticalmente, fazendo duas camadas. Então novamente dobre verticalmente numa longa pilha de quatro camadas. A seguir dobre por cima horizontalmente e novamente uma quarta vez para fazer 16 camadas. Ponha todo para trás do colchonete de dormir e dobre firmemente o colchonete debaixo do edredon com o travesseiro dentro do edredon. Coloque o edredon com as dobras na sua direção. A seguir faça gassho  e com ambas mãos tome o kesa e seu invólucro de pano e ponha-os ambos no edredon. Então faça gassho e abra o invólucro de maneira a cobrir o edredon com ambas pontas espalhadas e drapeadas sobre o edredon à direita e esquerda. Não enrosque na frente e trás do edredon. A seguir, faça gassho ao kesa; com ambas mãos levante-o e ponha-o no topo de sua cabeça. Faça gassho e faça seu voto, proferindo o verso:

Magnífico manto da libertação,
Um sem forma campo de bênção,
Eu desdobro e visto o ensinamento do Tathagata,
Completamente salvando todos os seres.

Depois de vestir o kesa, vire-se para a direita e sente-se de frente ao centro.   Quando você dobra o edredon, não o espalhe de maneira a alcançar o próximo tan, e não o faça abruptamente, fazendo-o brandir. Simplesmente comporte-se com decoro e respeitosamente de acordo com o grupo. Depois do sinal do fim da noite não espalhe seu futon[5] e edredon para voltar a dormir. Depois do desjejum você pode beber chá ou água quente no shuryô, ou voltar a sentar no seu lugar.

O procedimento para zazen da manhã é, um pouco depois do desjejum, o inô [supervisor dos monges] pendura a placa [laqueada] “zazen” em frente ao sôdô e então faz soar o han. O monge-chefe e o grupo, vestindo seus kesas, entram na sala, e [os monges] fazem zazen de frete para a parede em seus lugares. O monge–chefe não fica de frente para a parede, mas os “chôshû” [chefes de departamento] sentam-se de frente para a parede como os outros monges. O abade faz zazen na sua cadeira.

Monges em zazen não viram suas cabeças para ver quem entra ou sai. Quando você quer sair para os lavatórios, antes de deixar seu assento primeiro retire o kesa e o ponha no zabuton. Então faça gassho e desça saindo do tan[6], virando-se no sentido horário para estar de frente a beira do tan. Ponha seus pés nos chinelos quando desce. Entrando ou saindo, não olhe nas costas das pessoas fazendo zazen, mas apenas abaixe a cabeça e vá em frente. Não caminhe em longas passadas, mas avance seu corpo com seus pés. Olhe para o chão cerca de seis pés à sua frente e tome meio-passos. Caminhar com calma despreocupada é requintado, quase como ficar quieto. Não arraste seus chinelos ruidosamente de maneira a rudemente distrair o grupo. Mantenha suas mãos juntas em shashu dentro de suas mangas. Não deixe cair suas mangas ao longo de suas pernas. Quando você dobrar o kesa, não se levante de seu assento nem pegue com a boca a ponta. Não levante o kesa para sacudi-lo vigorosamente. E também, quando dobrá-lo, não o pise nem o prenda sob o queixo. Não toque no kesa com mãos úmidas nem o deixe no altar de Manjushri nem nas pontas das longas plataformas [em direção ao centro da sala dos monges]. Não sente com as pontas do kesa espalhadas por baixo de você. Sempre olhe para ter certeza que o kesa está correto. Quando você quer vestir o kesa, primeiro faça gassho na direção dele. Depois de largar o kesa, o costume é levantar suas mãos em gassho. Você deveria saber [estas práticas para cuidar do kesa]. Durante o zazen, não use o kesa quando você deixa seu lugar e sai da sala.

Quando ouvem o primeiro sinal da cozinha, os monges todos fazem gassho e o zazen terminou. Então os monges deixam a sala vestindo seus kesas. Os zafus permanecem nos tans até depois do almoço, quando eles são guardados. Quando soa o primeiro sinal do almoço, o ino[7] designa um doan[8] para retirar a placa de zazen.

(Durante o zazen da manhã, posta-se a placa de zazen. Para os outros horários de zazen não se mostra a placa). Quando soa o hosan  põe-se a placa de hosan, e retira-se quando soa o sino da noite. Para sinalizar zazen toca-se um han pela manhã, na noite toca-se um sino. Os monges entram na sala dos monges vestindo seus kesas e fazem zazen de frente para a parede nos seus lugares. Antes do “fim da noite” [logo depois do despertar] e durante o meio da tarde [entre cerca de 15 e 17hs] apenas faça zazen sem o kesa. No meio da tarde vá para seu lugar na sala carregando seu kesa sobre seu braço esquerdo e remova seu zafu para zazen. Ainda não abra seu colchonete de dormir, ou você pode seguir o antigo costume de abri-lo parcialmente. Tire o kesa de seu braço, dobre-o e ponha-o no edredon, e faça zazen. Para o zazen de antes do fim da noite, ponha o kesa no armário e não o mexa).

Quando fizer zazen sempre use um zafu. Sente-se na posição de lótus completo, que você faz primeiro colocando o pé direito na coxa esquerda, e então colocando seu pé esquerdo na sua coxa direita. Ou você pode também sentar em meio-lótus, no qual você pressiona seu pé esquerdo na sua coxa direita. A seguir ponha sua mão direita no seu pé esquerdo e sua palma esquerda na sua palma direita com a face para cima, com as pontas dos polegares ligeiramente se tocando. Sente-se ereto, com a parte posterior da cabeça bem acima da coluna, sem inclinar para a esquerda ou direita, ou para frente ou trás. Suas orelhas devem estar alinhadas com seus ombros e seu nariz alinhado com seu umbigo. Coloque a língua no céu da boca com seus dentes e lábios fechados. Mantenha seus olhos abertos, nem muito abertos nem muito fechados, sem as pálpebras cobrirem as pupilas. Seu pescoço não deveria projetar-se à frente de suas costas. Apenas respire naturalmente através de seu nariz, sem inspirar em alto som, sem tentar fazer a respiração mais longa ou curta, lenta ou forte. Arranje tanto corpo e mente, fazendo diversas respirações profundas com seu corpo todo de maneira que esteja relaxado por dentro e por fora, e balance para esquerda e direita sete ou oito vezes. Firme e imóvel, acomode-se sentado e pense no não-pensar. Como você pensa no não-pensar? Além de pensar[9]. Esta é a arte essencial do zazen.

Quando você se levantar do sentar, levante-se gradualmente. Quando descer da plataforma, desça com cuidado. Não levante alto seus pés nem dê passos grandes, correndo em frente apressadamente. Mantenha suas mãos em shashu em suas mangas, em vez de deixá-las caídas. Não vire a cabeça, mas apenas olhe para baixo adiante de você. Vá com cuidado e devagar sem fazer alvoroço. Quando você com atenção segue o grupo de acordo com este dharma, é o critério exato para entrar no Caminho.

O procedimento para hosan é o seguinte: O hosan ocorre depois do zazen do meio da tarde. Quando o grande grupo termina o almoço na sala dos monges, guarde o seu zafu, deixe a sala, e descanse no seu local de estudo no shuryô. Depois de um breve tempo, no meio da tarde (em termos mundanos, no fim da hora do carneiro [15hs]), retorne para a sala dos monges, retire seu zafu, e faça zazen. Daí até o almoço do dia seguinte, o zafu permanece de fora no seu lugar.

Antes do hosan, o monge chefe entra na sala dos monges. A rota do monge-chefe para entrar na sala é ir junto à passagem norte e entrar pelo lado sul da entrada da frente. Depois de bater três vezes o han em frente à sala do monge-chefe, o monge-chefe entra na sala e senta no seu lugar depois de oferecer incenso para Manjushri. Depois o doan anuncia aos monges nas várias salas que o monge-chefe está sentado na sala, ou então o doan pode informar aos monges batendo três vezes no han em frente ao shuryô. Ao ouvir o han, os monges entram na sala, vestem seus kesas e viram-se para sentar de frente uns aos outros. Neste momento, as pessoas que fazem zazen de frente para a parede vestem o kesa e viram-se de frente uns aos outros. Depois de reportar-se ao abade, o doan põe a placa de hosan [em frente à sala dos monges]. Depois disso, o doan levanta a cortina na frente da sala e entra, faz reverência para Manjushri, vai e fica de frente para o monge-chefe em gassho, e faz reverência. Depois, inclinando-se em shashu, o doan diz “osho hosan” em voz suave. [O abade dispensa os alunos da reunião.] O monge-chefe ouve silenciosamente em gassho. A seguir o doan retorna para a frente de Manjushri e, depois de apropriadamente fazer reverência, fica em pé em sashu e proclama em voz alta “hosan”. (Isso deve ser proclamado bem vagarosamente). Então o doan deixa a sala e bate o sino três vezes para hosan. (Isto é feito, em termos mundanos, cerca do meio da hora do galo [18hs].)

Quando os monges ouvem o sino fazem reverência, como durante as refeições, cumprimentando as pessoas próximas a elas [fazendo reverência para frente]. Se ainda estiver na sala, o abade levanta-se e faz reverência; então depois de fazer reverência em frente a Manjushri, o abade sai da sala. Os monges descem de seus lugares, fazem reverência em respeito a seus vizinhos, desenrolan seus colchonetes de dormir, e baixam as cortinas [em frente de seus armários].

Depois de retornar ao shuryô, os monges fazem reverência aos vizinhos e sentam-se frente uns aos outros em suas mesas. Podem tomar uma bebida quente se quiserem. As vezes são servidas bebidas quentes [de maneira formal] com o monge-chefe do shuryô sentado no seu lugar. O líder do shuryô oferece incenso antes de servir as bebidas com o grupo em gassho. O líder do shuryô pode oferecer incenso com o kesa sobre seu braço esquerdo ou depois de vestir o kesa, dependendo da instrução do abade ou do costume do templo em particular.

O procedimento para o líder do shuryô oferecer incenso é, primeiramente, ir e fazer reverência [no haishiki – almofada de fazer reverência] de frente para Avalokiteshvara. Então ele caminha para a frente do incensário e com sua mão direita oferece incenso; então vira para direita, em shashu, e retorna para a frente [do haishiki – almofada de reverência] e faz reverência. O líder do shuryô caminha em shashu para o alto [lado direito] do shuryô, a meio caminho entre o primeiro assento de ambas plataformas principais, e faz reverência [em direção ao lado direito do shuryô.] Então, depois de  virar-se à direita em shashu, ele passa em frente de Avalokiteshvara e caminha para baixo [lado esquerdo] do shuryô, a meio caminho entre o primeiro assento de ambas plataformas e faz reverência. Então, depois de novamente virar-se a direita em shashu, ele torna a ficar de  frente  a para Avalokiteshvara e fica em pé em shashu depois de fazer reverência. Depois disso, serve-se água quente ou chá.  Quando termina o chá, [o líder do shuryô] novamente oferece incenso e faz reverência, seguindo o mesmo procedimento anterior.

Escrito em Daibutsuji (Eiheiji)

– tradução Shinzen – fevereiro, 2009 a partir da tradução para o inglês de
Taigen Daniel Leighton & Shohaku Okumura,
publicada no livro “Dôgen’s Pure Standards for the Zen Community” (SUNY Press)
– revisão Monja Isshin – março, 2009

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[1] Koromo – roupa geralmente preta, com mangas compridas, usada pelos monges por cima do Kimono. (N.T.)
[2] Gaitan – uma área de sentar zazen que fica no lado de fora do Zendô. (N.T.)
[3] Kimono – roupa japonesa usada tradicionalmente por homens e mulheres, podendo ser bem colorida e de tecidos finíssimos. No caso dos monges, são de cores sóbrias, vestidos com “koromo” ou outra vestimenta por cima.
[4] Shukin – uma espécie de “corda” usada amarrada na cintura do Koromo. Pode ser usada para amarrar as mangas do kimono e/ou koromo na hora de lavar o rosto ou fazer trabalho.
[5] Futon – espécie de colchonete japonês que é esticado sobre o tatami na hora de dormir e, durante o dia, dobrado e guardado num armário.
[6] Tan – a área de um tatami onde o monge senta em zazen e, à noite, dorme.
[7] Ino – um dos chefes de departamento de um mosteiro zen. Recita as dedicatórias nas cerimônias, supervisiona o “samu” dos monges. O grupo de trabalho que lidera cuida da sala de zazen e da área externa do mosteiro como, por exemplo, os jardins.
[8] Doan – um membro do grupo de trabalho de Ino. Nas cerimônias ele toca os sinos.
[9] Shiryô, Fushiryô e Hishiryô – em inglês, Thinking, Not-thinking e Non-thinking. De tradução extremamente difícil e frequentemente traduzido como “além do pensar” ou “o inconcebível”. No entanto a tradução “além do pensar” pode ser erroneamente interpretada como significando “depois do pensar e não-pensar”. Mais correto seria algo como “a-pensar”. Trata-se do estado da mente pura, de plena atenção, presença aberta em contato direto com a experiência, “anterior” ao funcionamento da mente discriminativa ou “independente” desta. O mestre do Zen Coreano Seung Sahn o descreve como  o “ponto primário” (Primary Point).

Textos de Mestre Dogen (6)

abril 28, 2009 — Monja Isshin

Bodaisatta Shishôhô
Os Quatro Métodos de Harmonização dos Bodhisatva
Dogen Zenji – Shôbôgenzô

Os quatro métodos de harmonização dos bodhisatvas são: doação, fala gentil, ação benéfica e cooperação.

Doação significa não cobiçar, não ser ganancioso. Em termos mundanos se diz que não ser ganancioso significa não bajular. Se alguém reinar sobre os cinco continentes, fornecer boa educação ao povo é a prática de não cobiçar. Doação é, por exemplo, como renunciar a tesouros para dá-los para estranhos. Oferecer flores de uma montanha distante a um Buda, distribuir tesouros de vidas passadas para o beneficio dos seres – em termos de ensinamento e em termos das coisas, em ambas ações existem as virtudes inerentes à doação.

Apesar de no fundo ser verdade que nada pertence a ninguém, isso não nos impede de dar. Não importa o quão insignificante seja o objeto dado – o que importa é que o esforço seja genuíno. Quando deixamos o Caminho para o Caminho, alcançamos o Caminho. Alcançando o Caminho, o Caminho é necessariamente deixado ao Caminho. Quando os bens são deixados para os bens, os bens infalivelmente se tornam doação. O eu dá para o eu, o outro dá para o outro. O poder causal da doação vai longe, chegando até aos céus e aos sábios e santos. O motivo para dizer isso é que a pessoa se tornou um recipiente do dar e formou certa afinidade. A respeito disso o Buda disse: “Quando uma pessoa que dá entra em um grupo, já no primeiro olhar as pessoas reconhecem a bondade de seu coração”.

Portanto nós devemos dar mesmo uma única frase ou um único verso do ensinamento. Isso se tornará uma boa semente nesta vida e em vidas futuras. Nós devemos dar mesmo uma única moeda ou um pedacinho de grama – isso fará as sementes do bem germinarem. O Darma também é um tesouro, e os tesouros materiais também são Darma. Tudo depende da vontade e da aspiração.

De fato já ocorreu um caso em que uma pessoa contribuiu para o bem-estar de outra lhe dando fios de barba, e outro caso em que um menino se tornou rei por ter presenteado areia ao Buda. Eles não ansiaram pelo agradecimento dos outros, mas apenas fizeram o seu melhor. Construir uma ferrovia ou uma ponte são também atos da generosidade transcendental da doação.

Quando nós aprendemos bem a doar, nascer e morrer também são doar. Todo trabalho produtivo é doar. Confiar flores ao vento e pássaros à estação também são atos meritórios de doação. O princípio comprovado pelo rei Asoka dando meia manga para alimentar um grupo de monges é que isso é um grande ato de doação. Devemos cuidadosamente estudar esse princípio. Não se trata apenas de fazer o esforço correto, mas também é preciso tomar cuidado para não perder a oportunidade certa.

Verdadeiramente, é porque as virtudes da doação nos são inerentes que nós agora alcançamos a nós mesmos. O Buda disse, “Isso pode ser usado para si mesmo – mais ainda, pode ser dado aos seus próprios pais, esposa e filhos”. Então nós sabemos que mesmo usar algo para si mesmo é uma porção de doação; dar a seus pais esposa e filhos também é doação. Se nós pudermos dar mesmo um cisco de poeira com um coração de altruísmo, apesar de isso ser algo que nós mesmos fazemos, devemos silenciosamente nos alegrar com isso, pois acabamos de praticar corretamente uma das virtudes dos Budas, pois acabamos de praticar um dos princípios dos bodhisatvas.

O que é difícil mesmo é transformar as mentes dos seres vivos: o que se pretende com a doação, qualquer que seja a coisa dada, é transformar as mentes dos seres vivos e ajudá-los a atingir a iluminação. No início, isso deve ser feito por meio da doação. É por isso que o primeiro dos seis caminhos transcendentais [paramitas] é a doação. Não devemos calcular a grandiosidade ou pequenez da mente transformada, nem a grandiosidade ou pequenez da coisa dada. Entretanto, há um tempo em que a mente transforma as coisas, e há a doação na qual as coisas transformam a mente.

Fala gentil significa que ao olhar para todos os seres nós devemos despertar em nós uma mente de atenção, amor, e cuidado máximos. Isso é a ausência da fala áspera. Na convenção social comum existe a etiqueta de perguntar “como vai?”. No Budismo, usamos a expressão “te cuida” e também a conduta ética de perguntar como a pessoa está. Fala gentil é falar com a profunda intenção de cuidar gentilmente de todos os seres da mesma maneira que nós cuidaríamos de um bebê.

Devemos louvar aqueles que são virtuosos e ter compaixão pelos que não são. Uma vez que nos entreguemos à fala gentil, gradualmente iremos aperfeiçoar a fala gentil; assim, uma fala gentil até então desconhecida aparecerá. Enquanto estivermos vivos, devemos alegremente praticar a fala gentil; com isso nós jamais regrediremos no Caminho, vida após vida. A fala gentil é a fonte da superação da inimizade e da harmonização dos governantes. Ouvir diretamente palavras gentis ilumina o semblante e agrada o coração; ouvir palavras gentis ditas em nossa ausência tem um efeito ainda mais profundo. Saibam que a fala gentil provém de um coração gentil, e um coração gentil tem a sua semente na boa vontade. Saiba que a fala gentil tem o poder de virar os céus. Não se trata apenas de elogiar os virtuosos.

Ação benéfica significa inventar meios de beneficiar a todos os seres. Por exemplo, olhando para um estrada, longe e perto, podemos inventar meios de beneficiar aos outros. Ao ver uma tartaruga cansada ou um pássaro enfermo, devemos ter compaixão e ajudá-los. Devemos ajudar uma tartaruga cansada ou um pássaro enfermo sem esperar o seu agradecimento, mas apenas pelo desejo de fazer o que é benéfico.

Os tolos pensam que o seu próprio benefício será reduzido se eles pensarem antes no benefício dos outros. Tal não é o caso. A benevolência é universal e beneficia a todos. Antigamente existiu um soberano que interrompia o seu próprio banho no meio para ajudar alguém que dele precisasse. Ele também estava sempre disposto a ajudar e educar pessoas de outros países. Então, nós devemos ajudar igualmente aqueles que são hostis e aqueles que são amigáveis. Isso será benéfico para nós e para os outros. Se alguém desenvolver esse coração, o princípio da ação benéfica ser inerentemente não-regressiva será beneficamente representado, mesmo pelas plantas e árvores, água e vento. Nós devemos nos esforçar de todo coração para libertar aos ignorantes.

Cooperação é não-oposição. É não se opor a si mesmo e não se opor aos outros. É como o Buda, que manifestou-se em um corpo humano em consideração a nós. O Buda também pode se manifestar em outros mundos que não o humano. Quando nós compreendemos a cooperação, o eu e os outros são uma só assimdade. A sua música e vinho acompanham as pessoas, acompanham os seres celestiais, acompanham os espíritos famintos. As pessoas andam com música e vinho, e a música e vinho andam com a música e vinho. As pessoas andam com pessoas, os seres celestiais andam com seres celestiais, os espíritos famintos andam com espíritos famintos – tal lógica aparece, tal lógica é o aprendizado da cooperação.

Por exemplo, a prática da cooperação é um “jeito”, um padrão, uma atitude. Depois de ver os outros sendo o eu, devemos ver o eu sendo os outros. Com o tempo, o “eu” e os “outros” tornam-se um só.

Como disse um antigo filósofo: “O oceano não rejeita a água – por isso ele se tornou imenso. As montanhas não rejeitam a terra – e é por isso que elas podem se tornar tão grande. Um soberano iluminado não rejeita as pessoas – portanto o seu povo pode tornar-se populoso.” Saiba, ademais, que a virtude da água não rejeitar o oceano também é completa. Por essa razão, as águas se reúnem e se tornam um oceano, a terra se acumula tornando-se uma montanha. Nós também sabemos implicitamente que porque o oceano não rejeita o oceano, ele forma um oceano e cria a sua imensidão. Porque a montanha não rejeita a montanha, ela forma a montanha e a sua altura. Porque o soberano iluminado não rejeita as pessoas, ele faz delas uma comunidade. Um soberano iluminado não rejeita as pessoas, mas isso não significa que não há recompensas e punições. Mas, apesar de haver recompensas e punições, não há o rejeitar pessoas.

Em tempos passados de incorrupta honestidade, as nações não tinham recompensas e punições. Isso é assim porque as recompensas e punições daquele tempo não podem ser comparadas às de hoje. Entrtanto, mesmo hoje devem existir pessoas que fazem o que é certo sem buscar nenhuma recompensa para isso. Tal atitude é inconcebível para o ignorante.

Pelo fato de um soberano iluminado ser sábio, ele não rejeita pessoas. O povo sempre forma uma nação – apesar das pessoas buscarem um soberano iluminado, como a maioria delas não sabe o motivo pelo qual um soberano iluminado é um soberano iluminado, elas apenas se rejubilam por não serem rejeitadas por um soberano iluminado, mas elas mesmas não sabem como não rejeitar um soberano iluminado. Portanto, como existe a lógica da cooperação tanto nos soberanos iluminados como nas pessoas ignorantes, a cooperação é o compromisso prático do bodhisatva. Nós devemos olhar para todos os seres com  uma suave aprovação.

Adaptação para o Português de Giovanni Dienstmann,
baseada na tradução inglesa de Thomas Cleary
e na tradução para o português de Pergentino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Textos de Mestre Dogen (7)

maio 7, 2009 — Monja Isshin

O Dharma quando se encontra um Instrutor Sênior que passou por cinco angôs[1].
(Taitaiko Gogejarihô)

de “Eihei Shingi” – “Regras Puras para a Comunidade Zen”
Dogen Zenji

1- Quando encontrar um instrutor sênior que tenha passado por cinco angôs, você deve vestir seu okesa e trazer o seu zagu[2].

2- Não use o okesa cobrindo os dois ombros. Um sutra diz: “Quando monges encontram Buddha, ou outros monges ou seniores, eles não devem usar o okesa sobre os dois ombros. [Se eles o fizerem], quando morrerem, eles entrarão no Inferno dos Grilhões de Ferro”[3].

3- Não se apresente em pé olhando para um sênior, enquanto estiver encostado em alguma coisa com suas pernas cruzadas.

4- Não se apresente em pé olhando para um sênior com seus braços balançando.[4]

5- Nunca ria ruidosamente, sem envergonhar-se ou causar constrangimentos.

6- Apresente-se de acordo com o “Dharma do Servir ao seu Mestre.”[5]

7- Se você é admoestado, faça uma reverência polidamente e ouça e aceite; e, de acordo com o Dharma, contemple e reflita sobre o que foi dito.

8- Sempre estimule uma mente humilde.

9- Não se coce ou cate piolhos enquanto estiver com um sênior.

10- Não cuspa na frente de um sênior.

11- Não mastigue seu palito de dentes [yôji] ou enxágüe sua boca enquanto estiver frente a um sênior.

12- Se o sênior não lhe convidou a se sentar [quando você estiver entre eles], não se sente informalmente.

13- Quando sentado na mesma plataforma, ao lado de um sênior de cinco angôs, não o toque [acidentalmente]

14- Não se sente no lugar onde um sênior de cinco angôs normalmente se senta ou descansa.

15- Você deve saber que qualquer um que tenha feito cinco ou mais angôs, tem a posição de ajari [instrutor]; alguém que tenha dez angôs ou mais, tem a posição de oshô [alto sacerdote]. Isto não é nada além um suave orvalho do dharma sem máculas.

16- Quando uma respeitável pessoa de cinco angôs  pedir para você sentar, faça gasshô e reverência; só então se sente. Cortesmente sente-se ereto e não encoste na parede.

17- Quando se sentar, não seja rude ou indulgente, recostando-se em algum móvel.

18- Se houver discussão você deve permanecer humilde e não tentar ganhar uma posição superior.

19- Não abra sua boca demasiado enquanto estiver bocejando; mas, cubra-a com sua mão.

20- Quando estiver diante de um sênior, não esfregue sua face, bata em sua cabeça com suas mãos, ou brinque com suas pernas ou braços.

21- Diante de um sênior não faça grandes barulhos de resfolegar ou suspiros. Comporte-se com decoro, de acordo com o Dharma.

22- Quando estiver diante de um sênior, mantenha seu corpo ereto e estável.

23- Se você vir um sênior chegando ao lugar onde você se encontra conversando com outro sênior; dê a eles o seu assento, abaixe a sua cabeça e aguarde por um momento pelas instruções dos seniores.

24- Quando você estiver do outro lado da parede do aposento de um sênior, não recite as escrituras em voz alta.[6]

25- A menos que um sênior lhe peça para faze-lo; não explique o dharma para as pessoas.

26- Se um sênior lhe perguntar algo, você deve dar a resposta apropriada.

27- Sempre observe a expressão de um sênior e não lhe cause desapontamento ou angústia séria.

28- Enquanto estiver diante de um sênior, não troque mesuras com seus pares.

29- Diante de um sênior não aceite prostrações de outros

30- Se houver algum trabalho pesado a fazer, onde esteja um sênior, faça-o, primeiro, você mesmo. Quando há alguma coisa agradável, ofereça-a ao sênior.

31- Se você se encontrar com um instrutor sênior que tenha passado por treinamento em cinco angôs, você deverá reverenciá-lo como um ancião. Não perca seu entusiasmo.

32- Se você tiver intimidade com um sênior que tenha feito cinco ou dez angôs, você deve, mesmo assim, perguntar a eles sobre o significado dos sutras e dos preceitos. Não se torne negligente ou preguiçoso.

33- Quando você percebe que um sênior está doente, você deve, respeitosamente, alimentá-lo e ajudá-lo a se recuperar de acordo com o dharma.

34- Quando você estiver diante de um sênior ou perto de seu quarto, não pronuncie palavras que não sejam benéficas ou que não tenham bom significado.

35- Quando diante de um sênior não discuta pontos bons e maus ou a força e fraqueza  de honoráveis mestres de outros templos[7].

36- Você não deve ignorar um sênior e entrar numa conversa ou questionamento sem propósito.

37- Não raspe sua cabeça, corte suas unhas, ou troque suas roupas de baixo quando na presença de um sênior.

38- Quando um sênior ainda não estiver adormecido, não vá dormir antes dele.

39- Quando um sênior ainda não começou a comer, não coma antes dele.

40- Quando um sênior ainda não tomou banho, não se banhe antes dele.

41- Quando um sênior ainda não se sentou, não se sente antes dele.

42- Se você encontrar um senior no caminho, reverencie-o com inclinação do corpo e, então, siga atrás do sênior. Se você receber alguma instrução do sênior, simplesmente obedeça-o e então retorne [ao que você estava indo fazer]

43-Se você perceber que um sênior esqueceu alguma coisa por engano, mostre-lhe cortesmente.

44- Se você vir um sênior cometendo algum erro, não ria ruidosamente.

45- Se você visitar o quarto de um sênior, primeiro estale os seus dedos (médio e polegar) três vezes no lado de fora da porta, antes de entrar.

46- Se você entrar no quarto de um sênior, entre beirando um lado do vão da porta. Não entre pelo centro do espaço da porta[8].

47- Quando você entrar ou sair do quarto de um sênior, tanto de cinco, como de dez angôs, você deve usar a escada de convidados, não a escada do anfitrião.[9]

48- Se um senior ainda não tiver terminado de comer sua refeição, não termine a sua antes dele.

49- Quando um sênior ainda não se puser em pé, não se levante antes dele.

50- Se um sênior estiver explicando os sutras para um doador, sente-se adequadamente ereto e ouça-o cuidadosamente. Não se levante rapidamente e saia. [10]

51- Não repreenda alguém que você pretende repreender, enquanto estiver diante de um sênior.

52- Diante de um sênior, não chame ninguém à distância em voz alta.

53- Não desate o seu okesa, deposite-o no quarto do sênior e, então, saia.

55- Quando um sênior estiver ensinando sobre um sutra, não corrija seus enganos desde um assento inferior.

55- Diante de um sênior não levante seus joelhos e os envolva com seus braços.

56- Quando um sênior estiver em um lugar inferior e você estiver num lugar mais alto, vocês não devem se curvar um para o outro.

57- Não faça reverência para um sênior desde o alto de seu assento.

58- Quando você estiver em seu lugar e vir um sênior em pé embaixo , não o reverencie em shashu.[11]

59- Você deve estar atento quando um professor sênior estiver presente.

60- Quando o discípulo de um sênior estiver presente, esteja atento sobre suas maneiras para com o professor e não perturbe o sênior.

61- Quando um sênior se encontra junto com um sênior, nenhum deles precisa seguir estas instruções (de encontro com um sênior).

62- Ver seniores é infindável. Na primeira prática de verão nós vemos seniores; no momento da suprema realização[12], nós vemos seniores.

O dharma anterior para encontros com sêniors de cinco ou dez angôs, é exatamente o corpo e a mente dos buddhas e ancestrais. Não deixe de estudar isto. Se você não estudar isto, o Caminho dos mestres ancestrais degenerará e o doce orvalho do dharma será extinto. No vasto céu do reino do dharma, isto é raro e difícil de encontrar. Somente pessoas que desenvolveram faculdades saudáveis através de vidas passadas podem ouvir isto. Em verdade este é o último degrau do Mahayana.

Ensinado à Assembléia no Segundo ano de Kangen (i.e., 1244), no terceiro mês, no vigésimo primeiro dia. na Província de Echiza, no Templo Yoshimine.[13]


[1] N. T. – Um “angô” é um período de prática intensiva, de 90 dias ou mais; originalmente realizado na época das chuvas de verão na Índia e, atualmente, realizadas uma, duas ou até três vezes por ano nos mosteiros japoneses.

[2] “Sênior” é taiko (maior do que si mesmo). “Instrutor” é ajari, usado em sânscrito é acharya, qualquer monge sênior qualificado para ter discípulos. No tempo de Dogen, os períodos de treinamentos de três meses eram feitos uma vez por ano, durante o verão. “Dharma” visto no título deste ensaio se refere a “ensinamentos” sobre a atitude adequada  diante da prática com outros; mas, eles podem, obviamente denotar as “maneiras” e, até, a “etiqueta” para os encontros com sêniors.

[3] No Soto Zen moderno, o okesa é normalmente usado sobre o ombro esquerdo, como é feito pelos monges Buddhistas. Quando na outorga da ordenação o durante a cerimônia de arrependimento, o monge que preside a cerimônia usa o okesa sobre os dois ombros. [NT: o uso do okesa sobre os dois ombros significa estar representando o próprio Buddha]. “Sênior” aqui e em alguns outros lugares deste ensaio é jôza, o que parece ser usado intercambiado com taiko. [NT: no Soto Zen moderno, o termo jôza é usado para referir-se a um noviço que ainda não foi shuso e ainda não realizou o combate de darma.]

[4] NT – Sem estar em Shasshu

[5] O “Dharma de Serviço ao seu Mestre” é um texto tanto atribuído aos Ancestrais Indianos como a outros textos que têm o mesmo nome por Daoxuan.

[6] NT – No japâo, as paredes divisórias internas nas casas de construção tradicional são de papel.

[7] “Honorável Mestre” é sonshuku (anciãos veneráveis)

[8] As instruções para se entrar nos quartos de seniores nos lembra das instruções para entrar no salão dos monges.  Veja o terceiro parágrafo de “O Dharma para Receber Alimentos”. (Fushuku Hanpô)

[9] “Escada de convidados e de anfitrião” não está claro. Pode ser que se refira aos lados esquerdo e direito das escadas que dão em um quarto de sênior.

[10] “Doador” é danotsu, derivado do sânscrito danapatiDana, generosidade, é a primeira das seis perfeições no Buddhismo Mahayana. É o sistema de manutenção (patrocínio) para Templos Buddhistas Japoneses, desde o século dezessete, chamado de danka.

[11] (NT: os assentos para o zazen (tan) ficavam numa altura de mais ou menos 80 cm do chão).

[12] “Suprema realização” é gokuka (resultado final), que se refere ao fruto da prática e é igual ao estado de buddha.

[13] Templo Yoshimine é um pequeno templo perto de Eiheiji, onde a comunidade de Dogen permaneceu por volta de um ano enquanto se construía o Eiheiji.

Tradução: Pedro Federsoni, Sanga Águas da Compaixão
Revisão: Monja Isshin,  janeiro, 2009


 Fonte:https://aguasdacompaixao.wordpress.com/sutras/textos-do-mestre-dogen/


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